3 CIDADANIA NO ENSINO DA GEOGRAFIA


Atualmente, muitos temas e concepções ligados à educação não têm acompanhado as mudanças ocorridas no meio em que vivemos. Temos métodos do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI. Coloca-se como mais que necessária uma reestruturação dos conteúdos a ser trabalhados: verificando de forma minuciosa as diversas mudanças no mundo tecnológico; preservando o que é, de fato, importante; e analisando criticamente quais são os avanços necessários à viabilização de uma formação ao sujeito que o instrumentalize para pensar e refletir sobre as relações sociais vigentes.
Segundo Callai (2001, p. 134), “a Geografia é entendida como uma ciência social, que estuda o espaço construído pelo homem, a partir das elações que estes mantêm entre si e com a natureza, quer dizer, as questões da sociedade, com uma ´visão espacial`, sendo, por excelência, uma disciplina formativa, capaz de instrumentalizar o aluno para que exerça de fato a sua cidadania”. Nessa direção, Dimenstein (1997) ressalta a necessidade de se buscar alternativas possíveis para a implementação das leis sociais, visto que o Brasil é um país campeão em leis e propostas que objetivam a garantia de uma cidadania plena porém tais leis parecem ser direcionadas a um “cidadão de papel”, ficam apenas no plano da inoperância do discurso.
A cidadania, portanto, não deve ser pensada como algo alheio ao ambiente escolar, fora do dia a dia da escola, destituída da relação professor/aluno, dos conteúdos e de seus objetivos. É a noção de cidadania que “[...] exercita o direito a ter direitos, aquela que cria direitos, no cotidiano, na prática da vida coletiva e pública.” (CAVALCANTI, 2001, p. 20). Neste sentido, a cidadania plena somente pode se dar mediante um processo educacional sério, que vise modificar as estruturas sociais, as atitudes dos indivíduos, sua mentalidade, significações, valores éticos e comportamentais.
Conforme Callai (2001, p. 135), o que se quer hoje, e a sociedade exige da escola, “[...] é uma educação que desenvolva o raciocínio lógico, a criticidade, a instrumentalização para usar coerentemente o conhecimento, a capacidade de pensar e especialmente de poder construir o pensamento com autoria própria.” Isso, sem deixar de considerar que sofremos muitas transformações nos hábitos familiares nas últimas duas décadas, constituindo um novo padrão familiar, uma conduta tanto das crianças quanto dos jovens/adolescentes ainda desconhecida pelos professores da Educação Básica.
Questionamos, neste sentido, os métodos e melhores assuntos ligados às diferentes áreas do conhecimento eficazes para o desenvolvimento cognitivo da criança; muitas delas já entram no primeiro ano na escola com uma carga horária de cerca de cinco mil horas de programação televisiva. A escola deve manter de forma bem sucinta e clara sua maneira de expor o currículo programado em cada disciplina, com uma filosofia, uma proposta que a cada ano agregue valores em seus conceitos e corrija possíveis planos que não foram eficazes no ensino em geral; e, nesta perspectiva, desenvolver em cada uma das séries os conteúdos de Geografia.
Através de diversas pesquisas bibliográficas e diálogos com professores, é possível identificar que, muitas vezes, estes não conseguem manter uma definição de quais recursos utilizar e, consequentemente, falta-lhes um “controle” sobre os alunos diante das mais diferentes situações. Conforme Callai (2001, p. 135), diante da falta de embasamento teórico tanto da Geografia como da educação em geral, “[...] fica-se, então, entre seguir um livro, de preferência com caderno do professor e sugestões de atividades, ou fazer uma lista de conteúdos a partir dos programas e provas do vestibular.”
Os métodos de avaliação também fazem parte de todo o processo de formação do indivíduo. O aluno é um ser histórico e traz em sua bagagem experiências do seu próprio espaço cotidiano. Faz-se necessário realizar uma interligação entre tais experiências advindas do cotidiano de vida do aluno e as práticas pedagógicas, incluindo a forma de avaliação, sempre com o objetivo de melhorar a aprendizagem. Certamente, é importante e necessário conhecer este meio, estimular a crítica e lançar luz sobre tudo o que acontece diariamente, possibilitando alternativas para o alcance de objetivos. Conforme Callai (2013, p. 102),

[...] a dimensão ética do trabalho do professor implica um ensino significativo, pleno de sentido e o caráter da escola como lugar específico para ensinar o que a humanidade produziu; tem o privilégio de fornecer os elementos necessários para a construção do conhecimento, para que o aluno construa o seu entendimento de mundo, para que seja sujeito de suas ações, enfim, para que exerça a sua cidadania.

A questão é orientar o jovem cidadão, através da análise de todas as transformações que vêm ocorrendo na sociedade, e dar-lhe condições para a tomada de decisões. Desta forma, “[...] as escolas podem ser vistas como parte do universo de significados e práticas culturais mais amplas.” (GIROUX, 1986, p. 255).
Conforme Callai (2001, p. 138), sem um monitoramento constante, pode-se cair em “[...] explicações deterministas/mecanicistas de ajustamento ao meio, de adequação ao que está posto, como se os homens devessem se adequar pura e simplesmente ao mundo pronto.” E as aulas de Geografia? Questionamentos referentes à utilidade dos conteúdos não raras vezes se fazem presentes, pautando, inclusive, diálogos e debates sobre sua pertinência. Callai (2001, p. 139) refere, ainda, que ao professor compete remeter para fora de si a organização dos conteúdos nas diversas séries e nos diversos graus de nosso ensino. Se, em determinado momento, a Geografia serviu para enaltecer o nacionalismo patriótico brasileiro (e hoje nós podemos examiná-lo assim), atualmente, muitos professores não conseguem perceber a qual interesse está ligada a forma de estruturação do conhecimento direcionado para as respectivas aulas, por meio dos livros, dos textos utilizados, etc.
Outrossim, é importante ressaltar que também foi produzida uma divisão em questões naturais e humanas. Segundo a autora mencionada, integram os conteúdos termos como “relevo”, “vegetação”, “clima”, “população”, “êxodo rural e migrações”, “estrutura urbana e vida nas cidades”, “industrialização”, “agricultura”, os quais, a depender da forma como são tratados, acabam por se traduzir como conhecimentos abstratos, neutros, sem ligação com a realidade.
Neste contexto, salienta-se, novamente, a função da escola em contribuir para a construção da cidadania, disponibilizando as mais diferentes práticas de diálogo e debate sobre diversos temas atuais, valores e, sobretudo, possibilitando uma formação mais sólida e densa, voltada para cooperação e crescimento intelectual contínuo.
Uma educação com vistas à emancipação dos indivíduos, que propicie a construção e o acesso a uma cidadania que vá além dos livros, dos discursos, dos interesses corporativos, e que permeie o meio social, político, está prevista na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a mais importante lei brasileira referente à educação. Esta lei foi aprovada em dezembro de 1996, sob número 9394/1996. Segundo a lei federal, a educação tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Em relação aos conteúdos ministrados na Educação Básica, logo nas primeiras leituras e análises do referido documento, foi possível identificar uma dissintonia entre as mais diversas regiões do Brasil. Falta ao Brasil algo que todos os grandes países do mundo têm: uma Base Nacional Curricular, uma unificação na qual 60% dos conteúdos sejam nacionais, e 40%, locais – ou seja, da região em que o aluno reside e na qual frequenta o sistema de ensino.
Macedo, Petty e Passos (2000), assim como Freire (2005, 2006), ressalta a importância e necessidade de uma educação problematizadora, na qual o ensino parta de temas retirados do próprio cotidiano do aluno, e não fundamentados em um saber distinto daquele que os alunos tiveram oportunidade de se apropriar. Caso contrário, os conteúdos passam a situar-se fora da possibilidade de estabelecimento de qualquer relação significativa com os saberes por eles adquiridos.
A Educação Geográfica não valoriza apenas a aprendizagem de conceitos e conteúdos geográficos, mas também de conteúdos atitudinais e procedimentais, os quais auxiliam os alunos na construção de seus espaços de vivência e os conduzem a estabelecer seus princípios, hábitos e costumes nas relações cotidianas entre sociedade e meio (CASTELLAR, 2000).
Percebe-se que toda a estrutura social repassa uma forma de pensar que incapacita os indivíduos diante das problemáticas apontadas com maior frequência. Em vez de utilizar seu poder para capacitar para o envolvimento, ela age de forma contrária: objetivando tornar os sujeitos meros objetos, passíveis de manipulação. Presencia-se uma realidade em que prevalece uma consciência contrária à participação social, caracterizada por certa “terceirização da cidadania”.
A construção da cidadania, ocorrendo de forma coletiva, sempre é uma conquista de caráter não permanente, que prevê organização e articulação social na luta por direitos e pela sua manutenção. Os direitos, por sua vez, ao mesmo tempo que são individuais, também são coletivos, restando indispensável a articulação de forças para que sejam garantidas as potencialidades de realização humana, oportunizadas pela vida em sociedade.
Portanto, é muito valioso todo o conhecimento acumulado pela humanidade ao longo de sua história; e, de certa forma, todos esses recursos devem ser transmitidos na escola. O aluno deve reconhecer e compreender todos os processos de influência e que transformam o lugar e o país em que vivemos. Conforme Santos (1994, p. 121), “[...] para ter eficácia, o processo de aprendizagem deve, em primeiro lugar, partir da consciência da época em que vivemos”.


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