CIPRIANO LUCKESI: verificação e avaliação e Herbart: instrução educativa
Até hoje, primeira década do século XXI, em muitos países, a Pedagogia
é questionada como ciência independente, e a Didática é considerada, no melhor
dos casos, como uma disciplina ou ramo dela. Por que essa situação, ainda,
persiste ao longo dos tempos? Alguém se refere à Física ou à Química como ramos
ou disciplinas matemáticas? É possível o desenvolvimento de estudos e pesquisas
na Física ou na Química sem o auxilio da matemática? O objetivo fundamental
aqui é considerar a diferença entre educação e ensino e valorar a falsa unidade
entre educação e instrução.
Seu
surgimento sustenta-se a partir da definição de seu objeto de estudo: a
educação. O progresso da educação não poderia se fundamentar só com
experiências do dia-a-dia e conjecturas dos pensadores. Era necessário o
surgimento de uma ciência que desse a esse objeto de estudo, uma sustentação
científico-tecnológico.
As obras de Rousseau, Kant, Herbart, entre
outros intelectuais, ajudaram à independência da Pedagogia como ciência
particular. Os clássicos do Materialismo-Histórico e Dialético elaboraram os
fundamentos que permitiram sustentar a cientificidade desta. Dessa forma, aos
poucos, a Pedagogia vai-se diferenciando, como resultado de um longo período e
processo histórico, da Teologia e da Filosofia.
Esses teóricos formularam princípios, teorias
e ideias que marcaram fortemente o campo da educação, particularmente a
didática. A análise de suas formulações teóricas contribui para ampliar a
compreensão acerca do desenvolvimento histórico das teorias da educação e das
práticas educativas escolares, permitindo uma reflexão sobre conceitos centrais
dessas teorias.
Nesta perspectiva foi realizada uma
investigação que teve por objetivos: - contextualizar e descrever as formulações
teóricas de Herbart acerca da educação e do método de ensino; apresentar um
quadro comparativo entre as ideias centrais das teorias desses pedagogos;
apresentar uma análise crítica acerca de suas contribuições para a educação e a
didática; destacar elementos de suas teorias que na atualidade ainda permeiam
as práticas pedagógicas na escola, particularmente os procedimentos didáticos. Como
fontes essenciais foram tomadas obras desses autores consideradas como
clássicas no campo das teorias educacionais e da didática.
Por isso é que a base do método intuitivo
segundo Pestalozzi é a “lição das coisas”, acompanhada de exercícios de
linguagem para se chegar às ideias claras. O método da “lição de coisas”
caracteriza-se por oferecer dados sensíveis à observação, indo do particular ao
geral, do
concreto experienciado ao racional, chegando aos conceitos abstratos. Daí a
ênfase ao contato direto com a natureza, à observação da paisagem, ao trabalho
de campo como pressuposto.
Segundo Luckesi, o papel da didática na formação do educador do ponto de vista pedagógico, o método a que o professor recorre, com vistas à organização racional de todos os recursos didáticos que levam a um objetivo educacional, deve apresentar – se como um plano ordenado a ser seguido no ensino.
Segundo Luckesi, o papel da didática na formação do educador do ponto de vista pedagógico, o método a que o professor recorre, com vistas à organização racional de todos os recursos didáticos que levam a um objetivo educacional, deve apresentar – se como um plano ordenado a ser seguido no ensino.
A prática educacional é vista como uma ação comprometida ideológica e
efetiva, capaz de formar o educador, criando condições para que ele se prepare
filosoficamente, cientificamente e tecnicamente para que sirva de base efetiva
o tipo de ação que vai exercer, fazendo-o reconhecer que nunca estará
definitivamente pronto, ao contrario, o fazer do dia a dia o tornará apto a
meditar a teoria sobre a sua pratica, fazendo – o compreender, globalmente, o
seu objeto de ação, pois aprendemos bem aquilo que praticamos e teorizamos.
Cipriano Carlos Luckesi, apesar de não ser professor de Didática,
entende o importante papel que a mesma tem na formação do educador e para a sua
prática educacional afirmando, que o educador é todo ser humano envolvido em
sua prática histórica transformadora, sendo que a responsabilidade do educador
é criar condições de aprendizagens, ser uma espécie de facilitador neste
processo proporcionando a noção e a prática da sociabilidade necessária à
infância e à adolescência. A didática insere nesse processo um importante papel
como elemento estruturante do seu método, ora estudando, retomando, discutindo
e se adaptando a teoria e a prática da técnica de ensino.
Herbart: instrução educativa
Johann Friedrich Herbart (1776-1884),
filósofo e pedagogo, nasceu num período em que expoentes da cultura e da
filosofia alemãs estavam próximos de seu apogeu. A maior influência teórica
sobre Herbart foi de Pestalozzi, de quem tomou os fundamentos
para
desenvolver sua concepção pedagógica, valorizando principalmente a intuição.
Mas na crítica ao método pestalozziano, colocou em questão sua insuficiente
fundamentação teórica e o memorismo de seu método.
Herbart apontou a necessidade de o
professor ter uma teoria pedagógica para que sua prática não seja baseada
somente na experiência, pois esta, embora importante, é insuficiente para
promover um ensino eficaz (GOMES, 2003). De 1797 a 1799, Herbart foi preceptor
de três filhos de Karl Von Steiger, na Suíça. Esta experiência,
concomitantemente fertilizada por estudos filosóficos pedagógicos, impulsionou
a formulação teórica pedagógica de Herbart permitindo-lhe, posteriormente, ser
o primeiro a sistematizar cientificamente a pedagogia e a propor um método de
ensino.
Apresentado no livro “Pedagogia geral
derivada dos fins da educação” (1806), este método o inseriu definitivamente
entre grandes representantes da Pedagogia Clássica como Comênio, Rousseau e
Pestalozzi. Herbart propôs que a pedagogia se caracterizasse não apenas como
arte, mas como ciência da educação. Para tanto necessitaria da ética, filosofia
prática que fornece os fins, e da psicologia que mostra o caminho e os
obstáculos para a instrução educativa.
Para ele a finalidade da educação reside
na formação da moralidade, do caráter e da vontade, como referências para o
autogoverno do indivíduo a fim de agir corretamente. A educação visa a formação
do homem de cultura, tendo em vista os ideais correspondentes ao
desenvolvimento do sentimento de nacionalidade na Alemanha. Sendo a cultura a
expressão dos ideais da Nação é, também, a fonte do sentimento nacionalista.
Por meio da cultura o homem se transforma em cidadão do Estado. Libâneo, (1990,
p. 62) sintetizou a concepção de Herbart acerca da finalidade da educação. É
comum o uso do termo tradicional para referir-se à pedagogia herbartiana.
A proposta de Herbart é marcada pelo
entendimento da educação como meio para a formação do povo de uma nação,
sobretudo o desenvolvimento cultural, moral e do caráter, a formação da
disciplina e do autogoverno. Nesse sentido é inadequado o uso do termo
tradicional para referir-se à pedagogia herbartiana como método de ensino
desqualificado. A educação deve servir ao cultivo dos valores que a Nação, como
espírito universal, detém; a educação deve, antes, subordinar-se à Razão do
Estado a educação é a alma da cultura, cujo fim é a formação humana dentro dos
mais altos padrões éticos da Nação, de modo que os indivíduos ela se submetam e
por ela se sacrifiquem, E o processo da formação humana se dá pela via
intelectual, isto é, pela instrução educativa.
O sistema pedagógico de Herbart se
organiza em torno de três conceitos centrais: governo, disciplina, instrução
educativa. Governo diz respeito às condições e regras externas que devem
influenciar o aluno exercendo sobre ele um controle para que mantenha seu
interesse dirigido à matéria de ensino. Os meios do governo consistem na
ameaça, na admoestação, no castigo. O governo é necessário até que o aluno
desenvolva de forma autônoma o caráter, ou seja, opte livremente, sem coação
externa, por sua própria vontade, pelo interesse na matéria. Quando o aluno
adquire o controle da vontade está em cena a disciplina, que diz respeito ao
exercício autônomo da moralidade. Mas, a disciplina só é desenvolvida mediante
a instrução educativa. A instrução faz com que o aluno se interesse pelos
objetos de aprendizagem. Para tanto, a instrução educativa deve proporcionar ao
aluno a multiplicidade de interesses por meio da experiência com as coisas e
por meio das relações humanas. Causar o interesse do aluno é por em sua
consciência o gosto pelas virtudes, pelo bem, pela beleza, pela verdade, de
modo que para ele a aprendizagem seja prazerosa.
Desse modo, a instrução educativa consiste
em educar a inteligência e a vontade do aluno, produzir nele verdadeiros
interesses. Pelo interesse é que o sujeito dirige sua atenção às coisas,
ideias, experiências. O interesse por sua vez, está ligado à força das ideias,
representações já existentes na mente do aluno, às quais vão se ligar novas
ideias e representações, compondo o que Herbart denominou de massa aperceptiva
(HERBART, 1983). Governo e disciplina
concorrem para assegurar a instrução. Enquanto a disciplina visa causar no
aluno efeitos diretos, imediatos, a instrução visa efeitos futuros, as ações do
futuro cidadão. A disciplina busca afetar a vontade do aluno para que, tendo
conformado o seu caráter, futuramente seja uma pessoa de conduta moralmente
valiosa. O governo consiste em normas externas a que todos devem submeter-se; a
disciplina consiste na individualidade, no controle interno exercido pelo
próprio aluno, de forma suave e efetiva. Com base nesses conceitos, Herbart
formulou uma orientação didática para a instrução educativa, estabelecendo
passos formais articulados em dois momentos que se desdobram em quatro:
concentração (clareza e associação) e reflexão (sistema e método).
A concentração consiste na introdução ou
aprofundamento de um novo conteúdo ou matéria de ensino e desdobra-se em outros
dois: clareza e associação. Iniciando pela clareza, o professor deve chamar a
atenção dos alunos e fazer com que discriminem os elementos do objeto a ser
aprendido. Em seguida o professor realiza a associação, que nada mais é do que
fazer o aluno ligar ao elemento novo os elementos já presentes em sua massa perceptiva,
realizando comparações e distinções. Na reflexão a nova experiência conecta-se
com as representações já assimiladas sendo que para isso o professor tem que
executar o sistema e o método. No sistema o novo aspecto do conhecimento
articula-se com os já existentes tornando-se um todo sistematizado.
O passo seguinte (método) é a aplicação do
novo conhecimento por meio da realização de tarefas usando os novos
conhecimentos, visando sua assimilação.
Na América Latina a influência de Herbart no início do século XX esteve
ligada a ideias pestalozzianas.
A teoria de Herbart caracteriza o
professor como aquele que infunde ideias e conhecimentos na mente do aluno. O
aluno permanece sem oportunidade de elaborar conhecimento, uma vez que
predominam as ações externas do professor (ideias, conceitos, valores, e regras
morais) por meio da instrução educativa (LIBÂNEO, 1990, p. 63). Um dos
principais críticos opositores à pedagogia herbartiana foi o filósofo
norte-americano John Dewey, que apontou principalmente seu o formalismo e sua
rigidez (GOMES, 2003).
CIPRIANO LUCKESI: verificação e avaliação
A avaliação da aprendizagem escolar
adquire seu sentido na medida em que se articula com um projeto pedagógico e
com seu consequente projeto de ensino. A avaliação, tanto no geral quanto no
caso específico da aprendizagem, não possui uma finalidade em si; ela subsidia
um curso de ação que visa construir um resultado previamente definido. No caso
que nos interessa, a avaliação subsidia decisões a respeito da aprendizagem dos
educandos, tendo em vista garantir a qualidade do resultado que estamos construindo.
Por isso, não pode ser estudada, definida e delineada sem um projeto que a
articule.
Para os desvendamentos e proposições
sobre a avaliação da aprendizagem, que serão expostos neste texto, teremos
sempre presente este fato, assumindo que estamos trabalhando no contexto do
projeto educativo, que prioriza o desenvolvimento dos educandos - crianças,
jovens e adultos - a partir de um processo de assimilação ativa do legado
cultural já produzido pela sociedade: a filosofia, a ciência, a arte, a literatura,
os modos de ser e de viver. Na prática da aferição do aproveitamento escolar,
os professores realizam, basicamente, três procedimentos sucessivos: medida do
aproveitamento escolar, transformação da medida em nota ou conceito, utilização
dos resultados identificados. Resultados da aprendizagem são obtidos, de
início, pela medida, variando a especificidade e a qualidade dos mecanismos e
dos instrumentos utilizados para obtê-la. Medida é uma forma de comparar
grandezas, tomando uma como padrão e outra como objeto a ser medido, tendo como
resultado a quantidade de vezes que a medida padrão cabe dentro do objeto
medido.
No caso dos resultados da aprendizagem, os
professores utilizam como padrão de medida o "acerto:' de questão. E a
medida dá-se com a contagem dos acertos do educando sobre um conteúdo, dentro
de um certo limite de possibilidades, equivalente à quantidade de questões que
possui o teste, prova ou trabalho dissertativo. Num teste com dez questões, por
exemplo, o padrão de medida é o acerto, e a extensão máxima possível de acertos
é dez. Em dez acertos possíveis, um aluno pode chegar ao limite máximo dos dez
ou a quantidades menores. A medida da aprendizagem do educando corresponde à
contagem das respostas corretas emitidas sobre um determinado conteúdo de
aprendizagem que se esteja trabalhando. Usualmente, na prática escolar, os
acertos nos testes, provas ou outros meios de coleta dos resultados da
aprendizagem são transformados em "pontos", o que não modifica o
caráter de medida, desde que os acertos adquiram a forma de pontos. O padrão de
medida, então, passa a ser os pontos.
A cada acerto corresponderá um número de
pontos, previamente estabelecido, que pode ser igual ou diferenciado para cada
acerto. Por exemplo, dez questões de um teste podem ser transformadas em cem
pontos. Na forma equalizada, cada acerto equivale, indistintamente, a dez
pontos. Na forma diferenciada, em decorrência de ênfases neste ou naquele
aspecto, os cem pontos são distribuídos desigualmente pelas questões e, então,
os acertos equivalem a quantidades variadas de pontos; assim, a primeira
questão pode valer dez pontos, a segunda vinte, a terceira cinco, a quarta
cinco, e assim, sucessivamente, até completar os cem pontos.
A atribuição de pontos às questões, e
seus correspondentes acertos, não muda a qualidade da prática; ela continua
sendo medida. Para coletar os dados e proceder à medida da aprendizagem do
educando, os professores, em sala de aula, utilizam-se de instrumentos que
variam desde a simples e ingênua observação até sofisticados testes, produzidos
segundo normas e critérios técnicos de elaboração e padronização. Pode-se
questionar, é claro, se o processo de medir, utilizado pelos professores em
sala de aula, tem as qualidades de uma verdadeira medida, mas isto não vem ao
caso aqui.
Precária ou não, importa compreender que,
na aferição da aprendizagem, a medida é um ato necessário e assim tem sido
praticada na escola. Importa-nos ter clareza que, no movimento real da operação
com resultados da aprendizagem, o primeiro ato do professor tem sido, e
necessita ser, a medida, porque é a partir dela, como ponto de partida, que se
pode dar os passos seguintes da aferição da aprendizagem. A pedagogia tradicional, na herbartiana, introduziu
na cena pedagógica a necessidade de sistematização do ensino, de organização
didática da aula visando conferir sistematicidade e fundamentação teórica ao
trabalho do professor. Uma versão degradada da pedagogia tradicional tem servido
a um tipo de educação mecânica, unilateral, centrada na figura do professor e
no conteúdo, com o aluno como ser passivo.
A tendência progressista colocou no centro
da cena o aluno, todavia servindo a uma concepção liberal de educação, reduziu
a finalidade da educação aos interesses individuais promovendo a adaptação
social. Compreendidos em seu processo histórico, as teorias e os teóricos da
educação aqui tratados revelam concepções filosóficas e ideológicas demarcadas
nos diferentes contextos políticos, sociais, econômicos e culturais em que
surgiram e se desenvolveram.
Grosso modo pode-se dizer que, a despeito
do surgimento das teorias educacionais críticas em oposição a essas correntes,
seu legado encontra-se ainda corporificando as práticas pedagógicas escolares
em nosso meio, sobretudo do ponto de vista didático, com variações na
acentuação, por parte dos professores, dos diversos elementos dessas teorias e
seus métodos. Sua investigação e compreensão contextualizada ainda é tarefa importante
para impulsionar mudanças didáticas na atividade docente que sejam
fundamentadas nas correntes críticas.
Referências Bibliográficas
HERBART, J.F. Pedagogia general
derivada del fin de la educación. Barcelona:Editorial Humanitas, 1983.
LIBÂNEO, J. C. Fundamentos
teóricos e práticos do trabalho docente. Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (Tese de doutorado), 1990.
PESTALOZZI, J.H. Antologia de
Pestalozzi. Trad. Lorenzo Luzuriaga. Buenos Aires: Editorial Losada S.A., 1946.
GOMES, J. F. Prefacio à Edição
Portuguesa. In: HERBART, F. J. Pedagogia Geral. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2003.
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