Geografia de Chapecó
A
influência do capital agroindustrial na distribuição sócio-espacial urbana do
município de Chapecó no sul do Brasil (Resumo)
O Brasil tornou-se, nesses últimos 30
anos, o maior exportador de carnes de aves do mundo e o terceiro na produção
desse produto, só perdendo para Estados Unidos (16.162 mil toneladas) e China
(10.350 mil toneladas). O país produz 9.335 mil toneladas de frango por ano e
exporta 2.713 mil toneladas principalmente para a Ásia, Oriente Médio e Europa.
Essa liderança é conseqüência da atividade de um grande complexo de
agroindústrias instaladas em uma região no extremo oeste do Estado de Santa Catarina,
situado no sul do Brasil. Neste pólo agroindustrial destaca-se a cidade de
Chapecó, onde se localiza uma das maiores produtoras e exportadoras mundiais de
carne de frango: a empresa Sadia S/A, que exporta para mais de 100 países no
mundo. O sucesso da produção agroindustrial na região e, principalmente, da
indústria Sadia, em Chapecó, se deu graças à organização produtiva que a
empresa formou desde o início do seu funcionamento, na década de 70, envolvendo
pequenos produtores rurais e a indústria em um sistema de parceria. É o chamado
sistema de integração, que hoje, assim como em todo o período agroindustrial na
região, é o grande responsável pelo êxito da produção agroindustrial. Nesse
sistema ocorre um esquema normativo de parceria entre o pequeno produtor rural
e a empresa, na qual o primeiro produz para a indústria e esta se compromete
com o fornecimento de assistência técnica e de insumos para a produção (animais
novos, vacinas, ração e outros). Ao agricultor cabe a responsabilidade de
acompanhar a evolução tecnológica da empresa para alcançar o padrão de aceite
do produto pela indústria para exportação. Com isso, a indústria nunca precisou
ter áreas de criação e de produção da matéria-prima, mas construiu, devido à
magnitude de sua produção, um monopólio e o controle sobre os pequenos
produtores familiares, onde, só permanece no sistema de integração quem se
associa à empresa e consegue manter os níveis de exigência da produção ditados
por essa. Os demais são removidos do sistema, já que não tem para quem vender
seus produtos. Os que não conseguem acompanhar o nível de normas e de
investimentos exigidos pela indústria são obrigados a abandonar essa atividade
produtiva e, muitas vezes, migram para a área urbana para tentar a
sobrevivência que no campo não foi possível. Esse processo de migração
rural-urbana e o crescimento acelerado da população originaram muitos dos
problemas urbanos de Chapecó.
O sucesso mundial da agroindústria
Sadia, assim como de outras empresas da região que se destacam internacionalmente
no setor de alimentos, decorre, portanto, também devido à exploração dos
pequenos produtores familiares do interior do Brasil. Com o sistema de
integração, o prejuízo devido a qualquer variação na política econômica, ou uma
crise cambial ou ocorrência de peste na criação acabam recaindo sobre o pequeno
produtor rural familiar, e não sobre a empresa, já que esta se exime da
responsabilidade de compra da matéria-prima em momentos de crise do consumo. A
dificuldade em manter os níveis de investimentos tecnológicos na produção rural
exigidos pelas agroindústrias, também contribui para o êxodo rural-urbano que,
se reduziu os custos de reprodução da força de trabalho e de produção
industrial, gerou também o rebaixamento das condições de vida do trabalhador
e a formação dos espaços de pobreza que se desenvolveram nas últimas décadas ao
redor das indústrias e nas periferias de Chapecó.
O trabalho analisa o impacto do capital agroindustrial no processo de
estruturação urbana desigual de Chapecó, município de médio porte localizado no
interior do Estado de Santa Catarina. Com 164.803 habitantes (IBGE, 2007),
Chapecó se constitui num importante pólo regional do oeste catarinense,
principalmente devido à concentração das maiores empresas agroindustriais do
país e à sua alta capacidade de polarização econômica na região graças às
diversas atividades produtivas e de serviços. Dentre as principais empresas aí
instaladas destacam-se a Sadia S/A e a Aurora, duas das maiores indústrias de
carne de aves e de suínos do país, que contribuem para que a região oeste de
Santa Catarina, o próprio Estado e o Brasil se tornem hoje os maiores
exportadores de carne de aves do mundo.
Instaladas em Chapecó no final da década de 1960 e início de 1970,
durante o governo militar brasileiro, as agroindústrias foram favorecidas por
uma política estatal de forte incentivo à industrialização e de descentralização
econômica, geradora de pólos regionais. Nesse período a população urbana do
município era de apenas 18.668 habitantes. Com incentivos fiscais e facilidade
de financiamentos, as agroindústrias desenvolveram-se rapidamente e tornaram-se
as principais responsáveis pelo acelerado processo de urbanização do município,
em função de seu grande poder de atração da população migrante, que deixava o
campo em busca de emprego na indústria e de melhores condições de vida. Em
1980, aproximadamente uma década depois da implantação das agroindústrias, a
população urbana já era de 53.181 habitantes, o que significa que, em menos de
10 anos, a população triplicou. A manutenção de uma taxa de crescimento
populacional de 11 per cento ao ano trouxe conseqüências consideráveis para
organização espacial urbana da cidade, já que as políticas públicas e sociais,
o planejamento e os investimentos públicos não acompanharam as novas demandas
urbanas e sociais que toda essa população migrante necessitava. O governo municipal
de Chapecó, que dependia cada vez mais economicamente das agroindústrias,
dirigiu suas ações prioritariamente para os interesses destas. Assim o Estado,
em suas esferas municipal, estadual e federal, definiu incentivos,
investimentos e áreas de expansão urbana, de acordo com os interesses dos
setores industriais. A conseqüência desse processo é sentida hoje nos inúmeros
problemas urbanos decorrentes do direcionamento das políticas públicas urbanas
em função prioritariamente do capital industrial. Atualmente a cidade apresenta
sua população urbana segmentada, inclusive espacialmente, com a concentração da
localização residencial dos dirigentes vinculados aos setores industriais e
empresariais, inclusive das empresas relacionadas às indústrias, e um grande contingente
populacional de baixos rendimentos nas áreas periféricas. Com as
agroindústrias, e também em função das políticas econômicas das últimas décadas
geradoras de forte concentração de renda, começaram a surgir os densos bairros
operários periféricos com baixíssimo nível de infra-estrutura e renda, enquanto
que a área central é reservada aos grupos sociais de alta renda para onde é
canalizada a maior parte dos investimentos, consolidando, então, evidente
processo de segregação.
Deve-se observar nesse contexto, que a concentração
residencial da população com renda mensal mais elevada vem se mantendo nas
áreas urbanas centrais, afastadas do quadrante noroeste que reúne a maior concentração
das instalações agroindustriais e as principais vias de trânsito regional. Por
outro lado, as áreas residenciais da população mais pobre localizam-se nas
áreas periféricas, com maior índice de densidade populacional e nem sempre
próximo das grandes agroindústrias.
Na última década, a expansão das
grandes empresas agroindustriais de Chapecó se efetivou, principalmente,
através da descentralização de suas unidades de produção para outros estados e
regiões do país. Para efetivar essa expansão territorial as agroindústrias
contaram com os incentivos fiscais do poder público, assim como pela renovação
tecnológica de sua produção e de seus centros de pesquisa, os quais permitem a
dispersão geográfica (Santos, 2001:158). A ampliação dos circuitos espaciais da
produção e a renovação tecnológica foram também estratégicas para os interesses
de ampliação da produção e de exportação das empresas, fortalecidos pelas
políticas governamentais de incentivos à exportação. Apesar da expansão
territorial das unidades de produção e do expressivo aumento de seu ritmo de
produção, no plano intra-urbano de Chapecó, e diferentemente das décadas de 70
e 80, não houve na última década repercussão expressiva no tecido urbano, já
que as a adoção de novas tecnologias de produção, não exigem mais um grande
número de operários com baixo nível de instrução, o que refletiu também na
diminuição das taxas de migração no município nos últimos 10 anos. No entanto,
a exigência de mão-de-obra especializada e a influência das agroindústrias na
rede industrial e comercial do município, assim como sua localização
consolidada no espaço urbano, agravam os problemas sociais e urbanos da cidade,
uma vez que, ainda que com taxas de crescimento reduzidas, mantém a lógica
segregativa de estruturação urbana, onde o Estado, com baixa capacidade de
investimento, concentra seus investimentos nas áreas de interesse da população
dominante e das agroindústrias. Portanto, a agroindústria, ainda que com a
alteração da forma de sua expansão (não física no espaço intra-urbano, mas no
espaço nacional), ainda mantém sua influência não mais tão intensamente na
distribuição da população no espaço urbano, mas nos desníveis de renda entre a
população operária da agroindústria ou ramos ligados ao setor e os proprietários
dessas empresas. Concretiza a lógica segregativa de localização da população no
espaço e acirra as diferenças sócio-econômicas espaciais da cidade. Se nas
décadas de 70 e 80, havia uma expansão territorial da classe de menor renda e
isso era importante para a indústria, nos anos 90 e 2000, essas áreas
densificam-se aumentando o abismo entre as mais altas rendas que ocupam o
centro da cidade, e de mais baixa renda que se mantém nas periferias ao redor
das indústrias.
Tomando o
caso de Chapecó, este artigo analisa como o capital industrial, direcionou o
processo de estruturação urbana dos municípios de médio porte brasileiros e a
distribuição desigual dos investimentos públicos, fortalecendo as contradições
e a segregação sócio-espacial. Esse direcionamento se efetiva através de
pressão sobre o poder local, procurando intervir nas decisões sobre as
políticas urbanas, na localização dos investimentos públicos e na elaboração
das legislações urbanas, viabilizando os interesses do capital agroindustrial. Verifica-se,
deste modo, a influência das grandes empresas capitalistas industriais no
processo decisório estatal sobre o espaço urbano, devido a sua magnitude
econômica e, conseqüentemente, o seu poder político. Sendo assim, muitos dos
interesses “privados” da agroindústria no espaço urbano se embaraçam como
decisões consentidas pelo Estado, acompanhados por um discurso ideológico que
busca fazer com que os interesses do capital industrial possam aparecer como
sendo os interesses da maioria.
Essa relação de proximidade entre a agroindústria e
os poderes executivo e legislativo fica evidente, no caso de Chapecó e região,
por exemplo, se levarmos em consideração que as três maiores agroindústrias da
região, Sadia, Perdigão e Chapecó Alimentos, sempre tiveram representação nas
esferas municipal, estadual e até federal. Deve-se observar que essa
representação ocorreu em diferentes momentos políticos do país, desde a
ditadura militar até o atual governo, quando o presidente do Conselho de
Administração da Sadia, Luis Fernando Furlan, foi ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior do Governo Luis Ignácio Lula da Silva. Os
dirigentes ou representantes das agroindústrias, portanto, foram prefeitos,
vice-governadores, deputados federais, ministros, com poder para interferir em
políticas e investimentos públicos e em incentivos para o setor agroindustrial,
o que transformou a região em destaque mundial na industrialização de carnes de
aves e foco de inúmeros investimentos públicos de incentivo ao capital, em
detrimento do social.
A
relevância econômica do capital agroindustrial
O Brasil tornou-se o terceiro maior produtor de
carnes de aves do mundo e o primeiro na produção para exportação e o setor de
aves é destaque nas exportações de carnes brasileiras, correspondendo a 55,9
per cento das exportações, enquanto que a carne bovina significa 31,12 per
cento e a carne suína 10,29 per cento. Segundo a ABEF, o país produz 9.335 mil
toneladas de frango por ano e exporta 2.713 mil toneladas do mesmo produto principalmente
para a Ásia (28,2 per cento das exportações), Oriente Médio (28,1 per cento) e
Europa (35,9 per cento). Na produção, o país só perde para os Estados Unidos
(16.162 mil toneladas) e China (10.350 mil toneladas).
O maior produtor e exportador brasileiro de carne
de frango é o Estado de Santa Catarina, responsável por 13,71 per cento da
produção nacional e 27,94 per cento das exportações brasileiras. Essa condição
de liderança no setor é devida à presença das maiores agroindústrias do país na
região oeste do estado a partir da década de 50, tendo seu auge na década de
70. A condição de liderança na produção e exportação das empresas
catarinenses e, principalmente as agroindústrias de Chapecó, as tornam destaque
no comércio internacional de alimentos, sendo o Brasil responsável, em 1993,
por 7,82 per cento da produção mundial de carne de frango e 14,80 per cento do
comércio internacional, sendo que a empresa Sadia representava 1,20 per cento
da produção mundial e 14,80 per cento do comércio internacional (Espíndola,
1996, p.42).
Entre as agroindústrias catarinenses que se
destacam nacionalmente estão as empresas Sadia S/A, a agroindústria Aurora, a
Ceval Alimentos (atual Bunge) e a Chapecó Alimentos (que encerrou suas
atividades em 2002), em Chapecó, a empresa Perdigão, em Videira, a unidade
Sadia, em Concórdia, e a indústria Seara, em Seara, municípios situados no
oeste do Estado.
Dentre essas se destaca a empresa Sadia, a maior
empresa privada do estado e a pioneira da indústria de alimentos do país (quadro
1). A Sadia S/A foi criada em 1944 no município de Concórdia, tendo sua
estrutura de produção expandida no início da década de 70 para o município de
Chapecó, além de outras unidades pelo país. Hoje, com uma estrutura
extremamente complexa que envolve, inclusive, escritórios fora do país, como
Milão, Tóquio e Dubai (Costa, 2005), é a maior empresa privada de Santa
Catarina e a maior produtora e exportadora de carnes de aves do país. A
instalação da Sadia em Chapecó ocorreu por necessidade de expansão do seu
capital, uma vez que teve um crescimento rápido na sua produção, principalmente
com a instalação de uma filial em São Paulo em 1948, e com o início da criação
e beneficiamento da carne de peru, setor do qual se tornou líder. Além disso,
Chapecó já apresentava infra-estrutura urbana consolidada (aeroporto, energia
elétrica, redes de estradas, sistema bancário, comércio especializado, etc),
possuía uma zona agrícola rica em milho e soja, facilitando a criação das aves
(Corioletti, 1999, p.46), e o governo local também ofereceu para a empresa
diversos incentivos fiscais, a doação de terreno, os serviços de terraplanagem
e de abastecimento de água.
A presença das maiores empresas brasileiras de
produção e exportação de carne de frango na região oeste e o fortalecimento do
seu poder econômico e, conseqüentemente político, foram fundamentais para o
desenvolvimento dos municípios que compõem o oeste do Estado de Santa Catarina,
tanto econômica, política quanto socialmente, refletindo na lógica de
estruturação urbana e rural destes.
A maior concentração das empresas líderes no
mercado de carne de aves nacional localiza-se no município de Chapecó, o que o
faz ser considerado a capital brasileira da agroindústria (PMC, 2008). Essa
concentração demonstra a força do capital agroindustrial econômica e
politicamente, influenciando nas decisões e na lógica de organização do
município, seja social ou espacialmente.
Chapecó, que desde a década de 50, assumia o
papel de pólo regional, tornando-se referência para os municípios vizinhos,
inaugurou sua produção agroindustrial com a empresa Chapecó Alimentos,
instalada no início da década de 50, e que logo se tornou uma das maiores
indústrias da região. Mas só a partir da década de 70 é que o município recebe
os maiores investimentos na produção industrial, com a instalação da Sadia S/A,
Aurora e Ceval Alimentos. A sua condição de pólo regional, a presença das
agroindústrias, a estrutura produtiva agrária/urbana regional frágil e o
sistema agroindustrial de produção desigual implantado na região, incentivaram
o processo migratório campo-cidade, que determinou grandes impactos na
estrutura urbana de Chapecó.
Assim, a atividade agroindustrial, principal
responsável pelo desenvolvimento econômico de Chapecó, também foi responsável
pelo seu processo de urbanização acelerado. Desde a década de 70 o setor
agroindustrial é o maior contribuinte na arrecadação do município, assim como
absorve parte considerável da mão-de-obra da cidade. Segundo dados da
Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina e da Prefeitura Municipal de
Chapecó, em 2004, a agroindústria foi responsável por 14 per cento do valor
adicionado ([2]) total
do município e 17 per cento do setor industrial e comercial, absorvendo, em
2005, aproximadamente 60 per cento do pessoal ocupado no setor de indústria de
transformação e 20 per cento do total de pessoal ocupado do município. Em 1980,
aproximadamente uma década após a instalação dessas empresas, já eram
responsáveis por 24 per cento do valor adicionado total do município e 44 per
cento do valor adicionado do setor industrial e comercial da cidade. A
diminuição relativa atual da participação do setor deve-se à dinâmica acelerada
do desenvolvimento econômico do município, principalmente de setores ligados à
própria agroindústria: setor de transporte, embalagens, metal-mecânico (produção
de maquinários), além dos setores necessários devido ao crescimento acelerado
da população no período (comércio e serviços).
A relevância política do capital agroindustrial na
região oeste de Santa Catarina
A agroindústria, no oeste de Santa Catarina, surge
na década de 50, como resultado da acumulação de capital de alguns comerciantes
que faziam a intermediação entre o comércio de suínos vivos criados na região e
o mercado consumidor de outras partes do país. A região já se destacava como
produtor e fornecedor de suínos para agroindústrias do Paraná e São Paulo,
principalmente. Diante da disponibilidade abundante de matéria-prima, alguns
comerciantes viram na industrialização das carnes na região como uma boa
alternativa de desenvolvimento.
A consolidação do setor avícola, ultrapassando o
suíno, se deu a partir da década de 60, com a crise pós-expansão industrial do
período JK (1956-1961) (Espíndola, 1996). Com a crise, o poder aquisitivo da
população brasileira baixa consideravelmente, ficando inviável o consumo de
carne bovina diariamente (até então preferência do brasileiro), por ser um
produto mais caro. Aproveitando do momento econômico, as agroindústrias começam
a investir massivamente na produção de aves, tradicionalmente mais barata que a
carne bovina (40 per cento menos), inserindo no mercado uma opção mais barata
para consumo de carne, mudando os hábitos dos brasileiros. Segundo Nogueira
(1998, p.56), em 1970, um brasileiro consumia, em média, 2,3 kg de frango por
ano, enquanto que em 1995 aumentou para 23,2 kg. É nessa época que é instalada
a filial da Sadia em Chapecó, a primeira unidade da empresa para o
beneficiamento de perus.
Outro fator que determinou o sucesso e a primazia
de Santa Catarina, mais especificamente da região oeste e de Chapecó foi o
envolvimento político das empresas com o Estado angariando recursos e
incentivos para a produção de suas empresas. Giese (1991) mostra a importância
dos investimentos públicos (principalmente estaduais e federais) para o
fortalecimento das agroindústrias, principalmente no período de 1970 a 1985.
Durante esse período, que coincide com os mandatos dos empresários, donos das
empresas industriais, as indústrias se beneficiaram de diversos incentivos e
financiamentos criados pelo Estado para esse fim. É o caso, por exemplo, do
BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), criado em 1961, se
tornando o principal agente repassador de recursos Federais aos grupos
agroindustriais do Estado de Santa Catarina (Nogueira, 1998, p.81). Além deste,
segundo Espíndola (1996, p.46) uma série de incentivos para o desenvolvimento
agroindustrial no Estado se deu através da criação, por exemplo, em 1965 do
Sistema Nacional de Crédito Rural, Fundo Geral para a Indústria e Agricultura
(Funagri), Programa Agroindústria (Pagri), PROCAPE (Programa Especial de Apoio
à Capitalização de Empresas) em 1975, do PROFASC (Programa para o
Desenvolvimento da Indústria de Suínos e Aves em Santa Catarina), em 1976, além
da criação de outros órgãos estaduais e federais que direcionavam a maior parte
dos recursos dessas instâncias para as empresas agroindustriais de Santa
Catarina em detrimento de outros setores (Nogueira, 1998, p.81-86).
Muitas empresas foram criadas ou compradas pelas
agroindústrias catarinenses em todo o país, através desses investimentos, como
forma de ampliar seus domínios nas diversas áreas consumidores do país. A
partir da década de 90, ainda com o intuito de aproximar-se de mercados
consumidores, de regiões com facilidade de escoamento dos produtos para o exterior
(áreas portuárias) e para que a produção ficasse próxima de insumos como
rações, etc., as empresas catarinenses expandem seus negócios para a região
Centro-Oeste do país (que se destaca na produção de grãos, principalmente
soja), e Sudeste (maior mercado consumidor e fácil escoamento de produtos). A
estagnação do solo catarinense para produção de ração, a concorrência e a
distância dos portos marítimos, começam a desviar, então, a atenção dos
empresários catarinenses para outras regiões brasileiras. Mesmo assim, as
empresas matrizes catarinenses, devido à tradição produtora e, principalmente,
ao sistema de integração consolidado (diferente do que acontece no
Centro-Oeste) se mantém na liderança de produção, o que demonstra que o poder
destas ainda se mantém (Nogueira, 1998, p.62).
A Agroindústria e o processo histórico de
distribuição sócio-espacial urbana desigual de
Chapecó
Chapecó
Os
primeiros frigoríficos para o beneficiamento dos produtos da suinocultura em
Chapecó, forte atividade da região, começaram a surgir na década de 50,
destacando-se a implantação da agroindústria Chapecó (1952), a primeira dentre
as grandes agroindústrias que aí se instalariam. A integração do trabalho do
campo com o trabalho urbano definiu, então, o sucesso da agroindústria no município
(Martins e Staub, não publicado). A década de 60 consolidou Chapecó como
destaque econômico da região, comercializando produtos principalmente
alimentícios para outras regiões do país e para o exterior (Alba, 2002). Houve
uma grande melhora da infra-estrutura através de incentivos fiscais e de
financiamento por parte do governo estadual, principalmente, por meio da
Secretaria do Oeste, criada em 1963, única secretaria descentralizada da
capital do Estado no país (Peluso, 1991, p.300). Esta, por várias vezes, teve
na sua direção o empresário Plínio Arlindo De Nes (que também foi prefeito de
Chapecó entre 1955 e 1960), proprietário da Chapecó Alimentos, que acabava
direcionando para a cidade e, conseqüentemente para sua empresa, os
investimentos estaduais que garantiram o desenvolvimento industrial.
Todos
esses investimentos estatais em infra-estrutura e o crescimento industrial
foram resultantes da política econômica do governo militar, cujo auge foi o
chamado “milagre econômico”, e que promoveu uma grande expansão econômica do
país nesse período, às custas do endividamento externo, da política de
concentração de renda, do forte arrocho salarial e da repressão política.
Dentre as ações prioritárias do governo federal estava o fortalecimento do
grande capital nacional e internacional e a promoção da descentralização da
industrialização do país através da criação de pólos de desenvolvimento no
interior do seu território, investindo grandes quantias em infra-estrutura.
Chapecó fazia parte dessa política, principalmente através da consolidação da
agroindústria, recebendo investimentos em sistema viário, facilitando o acesso
ao município e o escoamento da produção, e de incentivos para a implantação das
empresas.
As ações
do Estado foram, portanto, definitivas para o sucesso agroindustrial não só
através de investimentos em infra-estrutura, mas também na viabilização das
condições físicas para a instalação das indústrias (doação de terrenos,
serviços de terraplanagem, isenção de impostos) e dos equipamentos e serviços
urbanos que a nova burguesia industrial exigia. Desde 1963, de acordo com
levantamentos, o município conta com inúmeras leis de incentivo à
industrialização com o intuito de atrair o capital agroindustrial para a cidade
e transformar o município em um pólo industrial, de acordo com os interesses nacionais
(plano de desenvolvimento do período chamado de “Milagre Econômico”).
No início
dos anos 70, o capital industrial acaba ganhando força através da hegemonia das
agroindústrias com a criação da Cooperalfa, Ceval (antiga Extrafino), Aurora e,
principalmente, com a instalação da Sadia, em 1973. As duas últimas já nasciam
como uma grande estrutura industrial, sendo a Aurora fruto da associação de
empresários da região que buscavam a prosperação industrial e, a Sadia, fruto
da expansão da matriz de Concórdia.
A partir
dessa época, Chapecó vive, então, um intenso processo de urbanização devido,
principalmente, à implantação dessas agroindústrias e à atratividade que estas
produziam sobre os trabalhadores dos municípios próximos e, principalmente, os
trabalhadores do campo. Estes, com a mecanização do processo produtivo, perdem
os meios de sobrevivência no setor agropecuário e acabam marginalizados,
excluídos do processo produtivo, sendo obrigados a dirigir-se para a cidade em
busca de oportunidade de emprego (Rodrigues, 1996, p.29).
No período 1977 a 1981, Chapecó recebia em média,
40 famílias migrantes todos os dias, sejam elas de agricultores expulsos do
campo, ou mesmo de trabalhadores de cidades e estados vizinhos, que viam na
concentração de grande número de indústria e na condição consolidada do
município como pólo regional, melhores perspectivas de emprego e de melhora de
vida (Peluso, 1991).
Chapecó
teve sua população urbana aumentada a um índice de 11 per cento ao ano, entre
as décadas de 70 e 80, passando de 18.668 habitantes para 53.181, ou seja,
quase triplicando sua população. Parte considerável desses migrantes, de acordo
com levantamentos do IBGE, foram absorvidos nas atividades industriais. O
número de pessoas empregadas no setor alimentício aumentou em quatro vezes, e a
sua produção em 285 vezes, o que demonstra a consolidação do processo
industrial e o fortalecimento das grandes agroindústrias. No entanto, não houve
a absorção total do enorme contingente de mão-de-obra migrante, já que, em
números absolutos, esse crescimento significou o emprego de apenas 1.571
pessoas, o que resultou nos graves problemas sociais ainda hoje presentes no
município (desemprego, subemprego, aparecimento de áreas de ocupação
irregulares).
A demanda
por habitação, cada vez mais intensa, e o não acompanhamento de ações
governamentais, principalmente de moradia, para minimizar os conflitos
resultantes da diferença entre a população absorvida pelas indústrias e a
população atraída por essas, provoca o fortalecimento da figura do loteador
clandestino que, a partir da década de 70, vê na necessidade de moradia para a
população de mais baixa renda migrante, um mercado promissor. A ausência de
iniciativas por parte do Estado, de fiscalização e mesmo com uma legislação
pouco restritiva (justificada pela pressão populacional), e a demanda
crescente, provocou o aparecimento de inúmeros loteamentos irregulares ao redor
das indústrias, descontínuas à malha consolidada.
A
população urbana de Chapecó cresceu no período entre 1975 a 1980 a uma taxa de
16,08 per cento ao ano, recebendo um fluxo migratório intenso, passando a
cidade de 23.000 habitantes, em 1974, para 53.181 em 1980, ou seja, mais do que
duplicando sua população em menos de seis anos. Esse
imenso contingente populacional que afluía para a cidade, desprovido de
rendimentos suficientes para se localizarem nos bairros mais centrais,
valorizados por intensos investimentos municipais (POP – Programa Ordinário de
Pavimentação) e até federais (CURA Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada -
e FIDREN), acabam se instalando, em desacordo com o Plano Diretor aprovado em
1974, em áreas periféricas próximas às agroindústrias, em loteamentos
irregulares ou aprovados pelo município com baixíssimo nível de
infra-estrutura. A maioria dessas áreas se localizava afastada da malha urbana
consolidada, situação essa consentida por alterações do Plano Diretor em 1977,
em acordo com a pressão do capital imobiliário devido à grande demanda por
habitações de baixa renda pela população migrante
Os mapas
4 e 5 evidenciam o interesse do setor imobiliário que, com a consolidação
principalmente da Sadia na década de 70, começam a lotear a região na extrema
oeste do município, rompendo a lógica anterior de ocupar gradativamente em
círculos as regiões ao redor da área central. Ocorre, então, uma ocupação a
oeste da cidade (Figura 5), descolado da malha urbanizada consolidada, ligada
por uma única via de acesso de automóvel, em meio a uma região ambientalmente
pouco apropriada à ocupação. Essas
ocupações, que, a princípio, iam contra as proposições do Plano Diretor vigente
na época, são legitimadas no final da década de 70, por duas alterações de lei,
uma que amplia o perímetro urbano sobre essas áreas de interesse do setor
imobiliário (Figura 4), e outra que altera a lei de loteamento, desobrigando o
loteador de várias exigências de infra-estrutura básica para a implantação de
loteamentos. Começam a surgir os bairros operários com baixíssimo nível de
infra-estrutura e renda (figura 6), assim como a se evidenciar o processo de
separação sócio-espacial, com enorme parcela de responsabilidade do Estado,
através do controle da legislação urbana e da concentração de investimentos.
Ampliação do perímetro urbano da metade da década de 70 para o final da mesma
década e Localização agroindustrial em 1980
Nesse
sentido, os dados pesquisados e a análise comparativa dos mapeamentos de
evolução da distribuição da renda da população entre as décadas de 70 a 2000
(Figuras 6), indicam que, ao mesmo tempo em que cresce a população operária de
mais baixa renda próxima às indústrias ou nas periferias, há o aumento da
concentração espacial da população de maior renda que, aumentado o padrão de
vida, começa a exigir maiores investimentos na parte da cidade onde se
localizam suas áreas residenciais e de lazer, de acordo com suas aspirações.
Começam então, a se consolidar as disparidades sociais, uma vez que essa
população ascendente, com poder de exigência ou pela sua capacidade econômica
ou por sua ligação direta com o Estado, canaliza todas as benesses urbanas e
ações estatais nas áreas onde se localizam, enquanto que os bairros periféricos
ocupados pelas classes de mais baixa renda mantêm-se abandonados pelo poder
público.
Os
intensos investimentos do governo militar, privilegiando o capital industrial,
fizeram de Chapecó uma referência de sucesso econômico, principalmente devido à
industrialização de carne de aves e suína. No entanto, esse aumento da
produtividade e enriquecimento da burguesia industrial não foi acompanhada pelo
conjunto dos trabalhadores, que empobreceram ou não foram absorvidos pelo
mercado de trabalho, provocando tensões e conflitos sócio-espaciais presentes
até hoje no contexto urbano de Chapecó.
Por fim,
vale destacar ainda, como forma de frisar o poder das indústrias sobre as
decisões sobre as políticas sociais e urbanas da cidade, o processo histórico
de incentivo do Estado à industrialização, principalmente ligada à
agroindústria. Chapecó fazia parte da política do governo federal que delegava
aos municípios do interior a missão do sucesso das indústrias de transformação
de bens primários para abastecer o mercado interno e externo, transformando o
Brasil, juntamente com os centros industriais que produziam bens de consumo, em
uma potência econômica.
Nesse
sentido, desde 1963, Chapecó conta com Leis de incentivo à instalação de
empresas industriais, disponibilizando pelo Estado aos investidores, como as
doações de terra, isenção de impostos, serviços de infra-estrutura, entre
outros. Esses incentivos iam ao encontro dos anseios nacionais de
industrialização e de acumulação de capital, e era justificado - principalmente
quanto a doações de terra que necessitavam ser aprovadas em lei -, pelo
acelerado aumento populacional e a necessidade urgente de criação de mais
postos de trabalho demandada pelo grande contingente de população migrante.
De acordo
com levantamentos iniciais, ocorreram 49 doações de terra urbanizada para as
indústrias entre 1970 a 1990, o que evidencia a dinâmica de industrialização e
as regalias concedidas pelo município. Além dos privilégios para a instalação
das indústrias na cidade, ainda havia o atrativo e a imagem, muito evidenciado
pelas autoridades municipais e pela imprensa local para o convencimento dos empresários
para ali se instalar. Difundia-se que o município estava em franco
desenvolvimento, com índices altíssimos de arrecadação, e que existia ainda um
mercado consumidor potencial devido ao rápido processo de urbanização, e
mão-de-obra abundante, além das facilidades de acesso devido aos investimentos
viários do Estado para a construção da BR-282.
É
interessante notar que, nesse caso, causa e conseqüência se confundem. Assim
como a justificativa dada pelo Estado para os incentivos industriais era a
demanda de emprego causada pelo aumento acelerado da população, este usa dessa
mesma justificativa para atrair os empresários, mas nesse caso, a população já
é tratada como consumidora e como mão-de-obra barata e excessiva. Cria-se um
círculo vicioso em que população precisa de emprego, o Estado viabiliza as
indústrias, estas atraem mais população para a cidade devido à esperança de
trabalho, o Estado viabiliza mais indústrias, e assim por diante. Essas ações
do Estado acabam, então, incentivando ainda mais os processos migratórios já
excessivos em função dos fatores de expulsão do campo, mas não disponibilizam
infra-estrutura para absorver essa população, principalmente em relação à
moradia. Ampliam-se os problemas sociais, decorrentes da expropriação e do empobrecimento
da população, assim como se intensificam os problemas urbanos. No entanto, no
período analisado, e sustentado por essa condição de pobreza e pela espoliação
urbana, foi garantida a consolidação e acumulação do capital agroindustrial e a
expansão capitalista no país.
As
exigências político-econômicas mundiais atuais e as Estratégias empresariais
das Agroindústrias do Oeste Catarinense e a consolidação dos conflitos
urbano-espaciais de Chapecó
A partir
da década de 80, o Brasil sofre uma grave crise econômica, resultando em baixas
de crescimento e na queda de produção industrial, decorrente das novas
estratégias político-econômicas mundiais e nacionais de abertura comercial.
Diante dessa crise de recessão e das políticas econômicas neo-liberais implantadas,
a década de 90 exigiu das indústrias uma reestruturação do seu processo
produtivo e organizacional, para manterem-se competitivas internacionalmente.
Essas estratégias, cujos resultados se tornam mais evidentes nas décadas de 90
e 2000, quando há uma retomada do crescimento econômico, envolviam desde
reestruturação técnico-produtiva e organizacional, novos investimentos
produtivos, deslocamento/desdobramento do capital e aquisições/fusões e
parcerias (Espíndola, 2005, p.5). Em relação à cidade de Chapecó, essas
estratégias, principalmente tratando do avanço tecnológico, à expansão
produtiva das agroindústrias aí localizadas para outras regiões brasileiras, em
função da proximidade com áreas portuárias, facilitando a exportação; da
proximidade a mercados consumidores (diminuindo custo de distribuição) e da
matéria-prima, e à ênfase na produção para exportação, mudam a relação da
indústria com o processo de urbanização do município. Se na década de 70 e 80,
período de expansão física e consolidação do setor, as agroindústrias
influenciavam diretamente na organização do espaço a partir dos seus interesses
(seja em relação à localização de investimentos, na expansão urbana e na
localização dos bairros operários de mais baixa renda); na década de 90, com os
avanços tecnológicos (e conseqüente menor dependência de mão-de-obra), e com a
expansão da indústria não mais física sobre o território, mas através de
criação/aquisição de unidades industriais em outras regiões do país, a presença
da agroindústria e a sua influência do espaço do município não se dará mais de
forma tão evidente sobre processo físico de expansão e urbanização do
município, mas no acirramento das desigualdades sociais, uma vez que o
crescimento de sua produção se dá com a ampliação de processos tecnológicos
(reduzindo o custo de produção), exigindo mão-de-obra em menor quantidade, mas
qualificada e melhor remunerada, e não mais o uso intensivo de mão-de-obra
barata, antes migrante da área rural. Essa mudança do padrão salarial do
operário necessário, mas ainda a vigência do sistema de integração, que expulsa
cada vez mais os pequenos produtores rurais do campo que não conseguem
acompanhar os custos exigidos pela a agroindústria em função dos novos padrões
tecnológicos e do produto final exigido para a exportação, resultando na
migração dessa população para a cidade, resultam na consolidação e acirramento
do processo de diferenciação sócio-espacial do município, consolidando o
processo de segregação sócio-espacial dos bairros periféricos e das áreas
centrais, como se percebe nos dados de IBGE de 2000
As
mudanças estratégias das agroindústrias de Chapecó, em relação a sua expansão
para outras regiões do país, não significa que estas diminuíram seu crescimento
(tecnológico, de investimentos ou de produção) no município. Em um primeiro
momento, como indica Espíndola (2005), diante das limitações da região pela sua
localização longe dos grandes mercados consumidores e das regiões portuárias
para exportação, a estratégia de expandir suas plantas industriais para essas
áreas poderiam significar o deslocamento gradual de sua estrutura para essas
regiões, mas isso não se comprova, pois a base consistente de produção que se
montou desde a implantação destas na região, ainda dão condições preferenciais
pela manutenção das unidades matrizes na região. Essa base está relacionada
principalmente ao próprio sistema de integração entre indústria e produtores
rurais, criando um monopólio da indústria sobre a aquisição de matéria-prima
rural; e a “convivência” política das indústrias com o poder local, ou seja, a
relação próxima da agroindústria com as decisões políticas, econômicas e
urbanas, favorecendo seus interesses (investimentos, incentivos fiscais,
infra-estrutura, etc.). Essas relações, de acordo com Espíndola (2005), estão
começando a ser implantadas nas novas regiões de expansão brasileiras, mas,
segundo o autor, elas resistem a se consolidar.
Mesmo com
as novas estratégias industriais recentes e a manutenção dessa preferência pela
manutenção das indústrias matrizes na região oeste comentada, não há como negar
que a grande distância das áreas portuárias para escoamento dos produtos para o
exterior, são impecilhos para a futura manutenção do crescimento das
agroindústrias da região oeste. Diante disso, percebem-se as manifestações
bastante recentes vinculadas na imprensa estadual, dos empresários
agroindustriais (através de suas entidades civis representativas - ACIC –
Associação Chapecoense da Indústria e do Comércio), pressionando o Estado para
grandes investimentos no setor de transporte na região com a criação, por
exemplo, de um sistema ferroviário de transporte de carga ligando a região
oeste, passando por Chapecó, até as zonas portuárias do Estado, facilitando,
assim, o escoamento da produção. É a indústria, novamente, usando da sua
influência econômica e política para pressionar o Estado para que este faça
investimentos em favor de seus interesses (em detrimento das ações sociais).
Mesmo dentro da estrutura intra-urbana do município, percebe-se ainda o domínio
político e econômico da agroindústria. Sob a possível ameaça de deslocamento de
suas plantas industriais para outras regiões do país, o poder local ainda vê-se
pressionado a desviar os investimentos e políticas públicas em função dos
interesses agroindustriais. Isso se dá, por exemplo, através da priorização dos
investimentos para transporte de cargas, com a construção de portos-secos e
anéis viários passando pelas indústrias e desviando o acesso de transporte
pesado da área central da cidade; ou mesmo através da manutenção de seus
privilégios em relação a sua localização na malha urbana do município, no novo
Plano Diretor do Município, aprovado em 2000, que se mostra bastante incisivo
para a redução das diferenças espaciais por renda, democratizando a terra, mas,
apesar das manifestações em favor da coletividade, mantém a agroindústria
“intacta”, mesmo com todos os problemas decorrentes dessa localização
(principalmente relacionado ao sistema de acessibilidade e limitações ambientais).
Um
exemplo das estratégias em busca da manutenção do seu poder competitivo frente
ao mercado internacional (diminuição do custo de produção e de distribuição,
diversificação dos produtos, aquisição/fusão de outras empresas no Brasil ou
mesmo em outros países e o crescimento das exportações), é o caso das mudanças
na Sadia, maior empresa de Chapecó e maior produtora e exportadora de carnes do
Brasil. A partir da década de 90, a empresa espalhou suas unidades por várias
regiões do país. Segundo a empresa, desde 1990 e, principalmente nos anos 2000,
a empresa abriu filiais ou comprou unidades de concorrentes no interior do Rio
Grande do Sul, no Paraná, mas principalmente no Mato Grosso e Mato Grasso do
Sul (Centro-Oeste) e interior de São Paulo, além de abrir filiais comerciais na
Europa, Japão, América Latina e Emirados Árabes, e fazer parcerias com empresas
de todo o mundo. Hoje, no Brasil, são 14 unidades industriais, 2 unidades
agropecuárias e centros de distribuição espalhados por 7 Estados. No exterior,
tem representações em 11 países (Panamá, Chile, Uruguai, Argentina, Alemanha,
Inglaterra, Rússia, Turquia, Emirados Árabes, China e Japão). A necessidade por
competitividade, principalmente no mercado externo, obrigou-a também a
diversificar os seus produtos. Hoje são 680 produtos que vão desde a exportação
de carne in natura congelada até empanados e pratos prontos congelados.
Considerações
Finais
Neste artigo, a partir do caso de Chapecó,
procurou-se analisar como o capital industrial, forte econômica e
politicamente, direcionou o processo de estruturação urbana dos municípios de
médio porte brasileiros e a distribuição desigual dos investimentos públicos,
fortalecendo as contradições e a segregação sócio-espacial. As análises do
processo de ocupação do solo urbano em Chapecó e a trajetória territorial dos
grandes capitais agroindustriais indicam o quanto este setor, influenciou e
ainda influencia as desigualdades sócio-espaciais no contexto intra-urbano e
regional.
Aliado ao Estado, seja inserindo-se nele, seja lhe
pressionando, o poder econômico das agroindústrias garantiu-lhe o poder
político necessário para, direta ou indiretamente, interferir nas políticas
públicas, nas legislações urbanas e na localização dos investimentos públicos,
os quais foram utilizadas como ferramentas para legitimar e concretizar seus
interesses em Chapecó e, principalmente, para a manutenção do controle sobre a
produção do espaço urbano e sobre o processo de acumulação. Assim o Estado, em
suas diversas esferas, definiu incentivos fiscais, investimentos viários, redes
de infra-estrutura, delimitou áreas de expansão urbana, regulamentou
legislações, sempre ajustado aos interesses agroindustriais. As conseqüências
desse processo se evidenciam nos inúmeros problemas e nas desigualdades urbanas
decorrentes do direcionamento das ações do poder público prioritariamente em
função do capital industrial em detrimento das políticas sociais. Parte da
população migrante que foi expulsa do campo por falta de oportunidade e dirigiu-se
para a cidade atraída pela promessa de emprego e de vida digna, não foi
absorvida pelas agroindústrias e encontra-se muitas vezes desempregada ou
subempregada. Atualmente a cidade apresenta evidentes desigualdades sociais e
espaciais, com os bairros centrais destinados aos grupos sociais de alta renda,
para onde se canaliza a maior parte dos investimentos, assim como para o
entorno das agroindústrias. Paralelamente ocorre a expansão das periferias,
aonde se concentram a pobreza, a ausência de investimentos públicos e a
informalidade.
Os intensos investimentos públicos e as políticas
de proteção e de incentivo às agroindústrias de Chapecó garantiram a sua
expansão industrial, empresarial e territorial e um imenso processo de
acumulação, garantindo que essas empresas se classificassem entre as maiores
exportadores de carne de aves do mundo. Na última década, o aumento da
produtividade, a renovação tecnológica e o enriquecimento e a expansão do setor
agroindustrial não foi acompanhado pelo conjunto dos trabalhadores atraídos
pelas empresas, que empobreceram ou não foram absorvidos pelo mercado de
trabalho, mantendo-se, por outro lado, as ações privilegiadas do Estado no
espaço urbano, que provocam tensões e desigualdades, consolidam a segregação
sócio-espacial e reproduzem as condições de pobreza.
Notas
[1] Setores de comércio e serviços ligados à produção
agroindustrial, como, indústrias de embalagens, maquinários, transporte,
comércio de peças, entre outros.
[2] Valor adicionado é o valor que se adiciona a cada
etapa do processo produtivo, ou seja, é riqueza gerada pela empresa através de
seu processo de produção ou serviços (www.mct.gov.br)
[3] A população urbana de Chapecó, segundo o IBGE,
cresceu a uma taxa de 11 per cento ao ano de 1970 a 1980, enquanto que o Brasil
cresceu a 3,78 per cento ao ano.
[4] A região oeste de Chapecó possui uma topografia
bastante acentuada, com a presença de vales íngremes, além de localizar a bacia
hidrográfica que abastece de água parte da cidade.
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